24 de maio de 2010

O BEIJO NO ASFALTO

O jornalista Pereira Rego, ao ser atropelado por um ônibus, pediu um beijo a uma jovem que passava. Esse acontecimento real, nas mãos habilidosas de Nelson Rodrigues, ganhou força trágica e virou a peça teatral O beijo no asfalto. Na trama do dramaturgo, o agonizante pede um beijo a outro homem, Arandir. Amado Ribeiro, um repórter inescrupuloso de Última Hora, vê tudo, anota nomes e endereços. O jornalista procura o delegado Cunha com quem vai transformar o acidente num escândalo para vender jornal e parar a cidade. O repórter e o delegado transformam o beijo de piedade num caso amoroso e, posteriormente, num crime. Arandir começa a ser perseguido em casa e no trabalho, até ficar sem saída.

Leia os comentários abaixo:


A experiência de Nelson Rodrigues
Tem gente que acha que tudo é notícia. Até beijo no asfalto. Beijo assim, de misericórdia, que acaba por virar prova de assassinato. Como se beijo de homem com homem fosse um crime, como se já não existisse tanta desgraça no mundo para colorir as primeiras páginas.
Nelson Rodrigues sabe que nem tudo é notícia, mas ele nem liga. Provoca o desespero, a desconfiança, o ciúme, a tragédia. Quer ver sofrer aquele que beijou um quase-morto no asfalto, acabar com seu casamento, trazer à tona a paixão secreta e proibida do sogro assassino. Beijo no Asfalto é uma experiência científica, afinal. Qual é a vida do ser na primeira página? Até quando a estrela dos jornais resistirá ser a manchete? Ser ou não ser o que conta a “realidade escrita”? Nelson Rodrigues está só testando, é cientista. Nelson Rodrigues é Amado Ribeiro.
Carol Gouvêa


O beijo para a morte
O beijo no asfalto é uma dessas histórias que se corre para saber o final, personagens enigmáticos tecem uma trama de vida real trágica em que tudo pode acontecer. Como qualquer obra de Nelson Rodrigues família, traição e morte estão presentes contrastando com amor e vida.
Talvez em 1961, quando a peça foi escrita naturalmente tenha causado surpresa. Hoje não é novidade um homem beijar outro, traição, nem a manipulação da mídia nos acontecimentos, talvez ainda haja um pequeno estranhamento quanto a incesto. Mas o que realmente nos prende a atenção é o modo com que Nelson Rodrigues brinca com os personagens, seus sentimentos e princípios, ao final concordamos com a morte de Arandir como a única saída. Nem mais sentimos compaixão, apenas um alívio. O mesmo beijo que condenou sua vida também o salvou. Só a morte o salvaria de uma vida hipócrita.
Luciana Arruda


Nelson Rodrigues brinca de Deus
Entre confusões amorosas, morais e sexuais, Nelson Rodrigues brinca de Deus, manipulando seus personagens a ponto de confundir o próprio leitor a respeito da culpa de Arandir no beijo e no crime. Com a competência que só o dramaturgo tem, o ápice da peça está no começo e também no meio e no fim. E não acaba depois que termina.
Ana Luiza Fernandes Oliveira


Como aquilo que cresce só porque pode crescer
Se Nelson Rodrigues ainda fosse vivo talvez se sentisse constrangido com a realidade atual. É provável que seu favoritismo por sexo, crime e escândalos, hoje se visse perdido frente à recorrente banalização do absurdo. Por isso é incrível que ainda hoje suas peças causem essa sensação distinta, como algo que vem de dentro e que não tem por onde sair. Desta forma é O beijo no asfalto. Uma situação simples que é transformada em um alvoroço, resultando em um desmanche de relações e certezas. Os personagens se vêem questionados, com raiva por não entenderem com o que estão lidando. A peça é mais uma de suas obras grossas em vocabulário – mesmo sem palavrões, em que toda a sujeira de um personagem é pega com uma pá e jogada na cara do leitor.
João Eurico Heyden Junior


Notícia de Última Hora
O beijo no asfalto é mais do que um simples beijo, como aqueles do tipo que são “dados por dar”. Nelson Rodrigues conta, com aquele jeitão que nos faz sentir cada sensação que os personagens sentem, e por vezes também nos coloca no lugar do personagem. A peça conta a história de um casal que vive como outro qualquer até o momento do beijo. Não o beijo que é dado por dar, de homem e mulher, aquela coisa de recém-casados, mas o beijo que se dá somente em quem está morrendo. A cena do beijo, lá, enquanto estava o morto estirado no chão acompanhado de seu suposto amante não é o ápice da história, e sim todo o resto que sucede ao fato. Quem vê fica com uma dó de Arandir... Parece até um parente próximo injustiçado, com uma mulher que a esta altura anda pouco companheira e beira o histerismo. Coisa pouca perto da tragédia toda.
Thayná Faria


Poeticamente trágico
O beijo no asfalto representa o típico estilo de Nelson Rodrigues, um estilo que traduz tragédias em um texto quase poético. Nelson Rodrigues narra fatos cotidianos com um envolvimento que se compara ao texto jornalístico, ele insere o leitor na cena que descreve. Demonstra também os sentimentos de forma exacerbada, mostrando conflitos psicológicos dos personagens contrastando valores e desejos humanos. Mariele Velloso


Nelson Rodrigues e sua inseparável máquina de escrever


Repugnância e atração
Nelson Rodrigues tem uma habilidade extrema de trabalhar esses temas controversos, que costumam causar repugnância e atração, transitando entre a violência e a sexualidade, além das verdadeiras mazelas sociais, como o preconceito, a falta de ética e a simpatia pela tragédia alheia.
Wanderson Antonio


Romance ou caos?
Nos dias atuais, o tal beijo não teria tanta repercussão. Na verdade, haveria muitos motoristas indignados por terem que ficar mais de duas horas em um engarrafamento causado por um casal escandaloso que, ao invés de chamar logo a ambulância e a polícia, faz melodrama no meio do caminho. Natasha Terra


Nelson e a fofoca irresistível
O fato - Arandir beija um atropelado agonizante em público - é um banquete para alimentar o desejo das pessoas de entrarem na vida alheia. A partir daí, as coisas vão tomando proporções maiores, sem possibilidade de freio. Começando pela vizinha que mostra à mulher o que o marido tinha feito e terminando pelo jornalista que cria manchetes para gerar maior interesse. É tudo isso em nome de uma curiosidade incontrolável.
Íris Pedini


O beijo conduz a caminhos diversos
0 beijo no asfalto leva o leitor ao mundo do superficial e do belo, instâncias emergidas do acaso que tem por papel lembrar a fragilidade da vida. O derradeiro beijo fomenta o abuso jornalístico, esquecido dos preceitos éticos e reforçador de preconceitos, da mesma forma que leva o homem a um contato mais verdadeiro e intenso com o outro e, portanto, com o eu. Enquanto um homem, o jornalista Amado Ribeiro, se afasta de qualquer reflexão sobre o que acontece na vida e vê no beijo homossexual a possibilidade de garantir o sucesso comercial, o homem que beija o ser em agonia tem uma experiência que o afasta das normas sociais e que o põe em contato com o puro, o latente e o belo lado da existência.
Ana Gabriela Oliveira


O gênio e a repetição
Nelson Rodrigues, na repetição de si mesmo, é sempre singular na maneira de tratar família, sexo e morte. Sua singularidade é uma espécie de loucura, uma inteligência absurda. O beijo no asfalto e seu desfecho surpreendente e deliciosamente “rodrigueano” não poderiam ser melhor, nem escrito por outra pessoa, quiçá parafraseado. O clima psicanalítico ajuda a criar uma dúvida constante sobre o comportamento do personagem Arandir. Ele teria beijado um desconhecido ou provocado um acidente para matar seu amante? Mas Nelson Rodrigues não deixa dúvida alguma quanto ao comportamento corrupto e imoral de Amado Ribeiro, o repórter, que desgraça uma vida por uma manchete. Mais uma vez a crítica de Nelson à imprensa, presente em tantas outras obras, como Viúva, porém honesta. É a repetição, assumida que permite ao gênio se confirmar gênio.
Violeta Cunha


Sexo, dor, castração
Pinceladas fortes numa tela em branco desnudam a bela face de Dorian Gray ao mesmo tempo em que torna o pintor amante platônico de seu modelo ideal.. Transposto para o decadente cenário rodrigueano, O Beijo no Asfalto desperta o amor de Aprígio pelo seu jovem genro Arandir, numa explícita crítica aos valores socialmente constituídos.
Douglas Caputo


Polêmica em foco
Temas polêmicos estão no cardápio do mestre Nelson Rodrigues. E não foi diferente na obra O beijo no asfalto. Selminha é a típica personagem que vê sua vida amorosa conturbada após saber da suposta traição de seu amado. Para enfatizar a polêmica, o autor faz questão de incluir o tema homossexualidade na trama, e desta vez, o beijo que causou a discórdia no relacionamento da personagem, é trocado entre o seu marido e outro homem e não com uma mulher, como era de se esperar. E para complicar ainda mais a situação, Nelson Rodrigues revela que o pai de Selminha sempre fora apaixonado pelo genro. É intrigante a maneira como a história é desenrolada. Fatos corriqueiros ganham ares de “diversidade” nas palavras do autor, ao serem encaixados temas “polêmicos” na trama.
Karen Abreu


Francisco Cuoco na montagem de O beijo no asfalto, em 1961

Um simples beijo
Nelson Rodrigues mescla literatura e jornalismo para expor o que ele chamou de uma tragédia carioca. A ética jornalística vai a xeque na peça escrita por alguém que conhece bem a profissão. O autor consegue inovar ao falar de clichês tão batidos e aproveita um simples beijo para transformar e expor uma realidade inerente à condição humana. Nelson brinca com as palavras e as coisas e mostra a vida como ela é.
Luis Gustavo Oliveira


Universal em sua singularidade
Os personagens são complexos em sua trivialidade. O ato de beijar o morto causa espanto, admiração e a, seguinte, exacerbação da homofobia. Nelson joga na cara dos leitores/espectadores a falsidade e a falibilidade do homem. Tem a coragem de mostrar o ataque repressor dos escondidos.
Marcelo Alves

Matéria de primeira, de matéria prima
Não escrevem contos porque atraem menos leitores. É isso o que leva pensar sobre os jornalistas a partir de Amado Ribeiro que, deslumbrado pelo poder e pelo controle das pessoas, torna uma matéria bruta da vida real e a lapida, transformando-a em pura ficção.
O gosto amargo e o cheiro repugnante da peça de Nelson Rodrigues afoita ainda mais aqueles que têm o germe da vingança e da revolta. O mocinho morre, o vilão se dá bem, e é isso que sempre acontecerá enquanto a massa for facilmente maleável por páginas impressas e enquanto o preconceito se procriar como ratazanas ameaçadoras.
Vinícius Tobias


Persuasão e sociedade
O beijo no asfalto Demonstra a capacidade de persuasão que possui o ser humano, o poder de transformar e criar aquilo que é mais viável, para si e para a sociedade, sem a menor preocupação com a veracidade dos fatos.
Suellen Passareli

Quarto poder
A tragédia parece guiada pelo pensamento que caracteriza a mídia como quarto poder: “se hoje surge um problema, amanhã eles arrumam outro pra gente esquecer o anterior”. Deturpando a verdade em seu favor, a mídia consegue conduzir facilmente a verdade e modificá-la. Tudo isso é claro, contando com uma pequena ajuda de força ainda maior, corrompida e suja: a da polícia.
Ruzza Lage Valério

4 comentários:

  1. Muito ricos e inteligentes os comentários. Parabéns à turma!

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  2. Hahahaha... fiquei viciado em Nelson Rodrigues depois que li este texto. Acho que descobri minha veia sensacionalista...

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